terça-feira, 12 de agosto de 2008

O Casulo Vazio

Sentei-me no despenhadeiro e ali fiquei, deixando vagar a imaginação. A manhã era tão fria que a própria natureza recolhera sua costumeira alegria. Nenhum pássaro ou vento, nenhum ramo se punha em movimento. E assim, aplacados meus instintos, deixei que indistintos vultos emergidos da bruma tomassem minha mão e me conduzissem ao recesso no qual, solitário, pulsa o coração. Inclinei-me sobre ele, apurei os ouvidos e, dentre o espesso rumor que a vida faz ecoar nas veias, chegaram-me alguns aulidos, distantes, quase irreais. Mas ainda assim, por tê-lo a tanto tempo aprisionado em mim pude entender o que dizia. "Aonde vais?" - perguntou, num tom angustiado de quem mais quer indagar do que saber. "Vou para a morte" - respondi, com ironia. Calou-se, por um instante, e eu, assustado, pensei que de fato morria. "Mas é para a vida que nasceste"- disse ele, pulsando mais forte. "Não permitas que a tristeza, o desânimo, a descrença te desviem do caminho. Vive com alegria, assume teu destino como um guerreiro soberano. Que a beleza seja teu guia e a esperança a tua luz, que acendi quando eras uma criança. Não ouças o que diz a gente que amaldiçoa a vida. Sua alma é mesquinha e dela só nos chegam medos. Abandona esses frutos azedos e busca a essência do teu ser. A vida não passa de ilusão, sim, mas foi essa a missão que te deu o universo. Quanto a morte, não te preocupes em buscá-la, pois anda sempre contigo, desde que te viu nascer. Ela te arrebatará um dia, mas o que fizeres pela vida há de permanecer". Levantei-me então e segui meu caminho, abençoando esse vulto esguio que me serve de companhia. E quando ele ri, com descarnadas gengivas, eu sei que exerce o seu papel, a fim de me tornar ainda mais desperto e espanar de mim os meus pesares. Pois se eu estou no centro da ampulheta e a vida é ilusão, antes que o chão se abra sob mim quero brilhar intensamente e consumir o último vestígio do meu Ser. Já que a morte me tem suspenso sobre o abismo ,por um fio, que leve de mim apenas o casulo vazio.
Eduardo Alves da Costa

Nenhum comentário:

Postar um comentário